terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

01 Cinzas: Converter em sinal


Capela do Monastero San Lorenzo - Amandola - Itália
No caminho de Retorno ao Paraíso (Monastero di San Loranzo, Amandola Itália)

O caminho quaresmal nos é oferecido como sinal que atravessa e transforma a nossa vida, tornando-a um símbolo vivo de conversão e esperança. Sobre nossa fronte ou sobre nossa cabeça, um simples sinal da cruz, feito de nada, feito de cinzas, com a sua sobriedade, é capaz de dizer, com força, o grande combate cotidiano que cada um de nós é chamado a enfrentar e vencer contra o vazio e a vaidade da nossa existência, quando, tomando distância de Deus, na verdade nos distanciamos da vida, porque nos afastamos do amor. Então, o convite da liturgia faz-se intérprete das solicitações mais profundas de desejo de plenitude que habitam o coração de cada homem e de cada mulher. São as palavras do profeta Joel: «Voltai a mim, de todo o coração...» (Jl 2,12), das quais faz eco a exortação do apóstolo Paulo: « Eis o tempo favorável, eis agora o dia da Salvação!» (2Cor 6,2). O mistério da Quaresma começa com uma espécie de imersão nas profundidades dos mistérios de nossa existência, do qual um punhado de pó representa um lugar de reflexão e de tomada de consciência, não tanto e não fundamentalmente de quanto seja nada a nossa vida, mas de quanto ela possa ser assinalada com um sentido de plenitude, na medida em que reencontra e aprofunda a sua íntima relação com o seu Deus. O Senhor Jesus insiste sobre aquela dimensão de «segredo» (Mt 6,4) que subtrai a nossa experiência do perigo da vaidade e das sensações, colocando sua raiz continuamente em Deus.
As cinzas, este símbolo que, liturgicamente, vem de longe e é como sepultado no profundo das diversas culturas e crenças, é a memória de uma árvore – que frequentemente indica simbolicamente o homem – passado através da prova do fogo. Se é verdadeiro que não permanece quase mais nada, é também verdade que permanece o essencial. Como explica Daniel Bourgeois: «Com este simples gesto queremos dizer que mesmo nos apresentando diante Deus como mortos, podemos ainda retornar à vida graças à Ele, como o fogo que dorme sob as cinzas»[1]. A nossa vida é como um pequeno pão que lentamente é assado sob as cinzas, que aceita viver esta lenta e longa processo em um «segredo» que pode custar, e que também promete muito por si mesmo e pelos outros. O jejum quaresmal não pode ser senão um jejum esponsal, feito não de negação de si mesmo, mas de purificação e otimização do desejo do coração. O caminho que começamos tem uma meta e é a experiência do renascimento pascal, o qual exige, do nosso lado, um longo e profundo trabalho de desocupar espaço de tudo aquilo que impede nossa vida de estar à altura da sua mais profunda e verdadeira vocação. São tantas as coisas inúteis e, muitas vezes, perigosas que ocupam o nosso coração, mas talvez são as preocupações as que mais mal nos fazem. A imagem do deserto, a que a Quaresma sempre nos remete, longe de ser aquela de um lugar sofisticado no qual passar umas férias alternativas, é o âmbito de uma redução das necessidades e das exigências, para dar-se contas de que são poucas as coisas essenciais, e isto não somente a nível material, mas também a nível afetivo e emocional. A «recompensa» de que fala o Senhor Jesus no Evangelho de hoje é aquela que, vindo de fora de nós mesmos, ninguém pode nos dar, mas que podemos sentir brotar do profundo do coração, como uma pitada de serenidade, nunca antes imaginada, e que se torna sinal e sonho de uma vida possível. O Senhor Jesus nos dá as indicações para viver como justos, praticando a oração, o jejum e a esmola, que talvez hoje criariam mais gozação que admiração. Mediante estes três pilares da nossa vida de discípulos podemos expressar com o nosso corpo (jejum), a nossa mente (oração) e o nosso coração (esmola) a transformação total do nosso ser em sinal da presença do amor de Deus por cada homem.
Semeraro, M., La messa quotidiana, marzo Bologna 2011, 88-90.


[1] BOURGEOIS, D., Rétraite de Carême, Cerf, Paris 1990.

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